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Foto do escritorThamires Regina Sarti

Acubens, a alfa obstinada do Caranguejo





Dizem que pelos idos do século XVII e XVIII, os “homens de negócios” que seguiam as correntes marítimas estabelecendo novas colônias e rotas comerciais piravam no mito grego onde Héracles – o romano Hércules – derrotava a Hidra de Lerna. Na fantasia “egotrip” do nada heroico setor comerciante do noroeste europeu, o episódio era semelhante aos seus esforços em conter a gigante horda de trabalhadores por eles explorados mares afora e continentes adentro. A recorrente referência ao mito expressa, além da auto estima dos comerciantes, o medo da resistência trabalhadora e, é claro, a tentativa de justificar a brutal violência sobre eles descarregada (1).


Mas o que eu ia dizer é que no meio da história mitológica ainda apareceu um Caranguejo pinçando o pé de Hércules. A tradição conta que Hera, vendo que Hércules estava prestes a vencer o monstro, chamou o Caranguejo no probleminha incumbindo-lhe a missão de distrair o herói. O plano não surtiu efeito e, depois de pinçado, Hércules acabou por esmagar o crustáceo que, no fim das contas, foi imortalizado no céu com um lugar que Hera lhe cedeu como mérito por sua bravura (2).


A estrela que narra nos céus essa história do Caranguejo chama-se Acubens e recebeu um salve da própria Lua ontem lá pelos 15 graus do Leão. O trânsito deve ter feito emergir por aí alguma temática canceriana, alguma pinçada de memória, sensação ou sentimento. Estrela saturnina que é, quem sabe uma mágoa ou melancolia.

Acubens também versa sobre o proceder e as armas do Caranguejo no olho do furacão. De tamanho ínfimo perto dos gigantes, o Caranguejo silenciosamente garrou o pé de Hércules com força capaz de lhe amputar o membro em uma questão tempo, porque obstinação era o que não faltava.


Pinça, garra, obstinação, força, silêncio, sentimento e memória. É disso que se trata.


Quando no signo do Caranguejo, diz-se que Marte encontra-se em queda. Uma vez Mariana Campos relacionou essa veste de Marte com a expressão “sinto muito”. Um sentir que quase paralisa porque não há mais nada que possa ser feito, Marielle já morreu. Por outro lado, a nossa experiência mostra que é preciso estar atento e forte, a nossa sobrevivência depende do luto ser verbo e Acubens nos mostra que até o Caranguejo tem as suas armas. E que armas!


No céu e no mito conhecemos o Caranguejo, mas onde está ele na luta de classes transatlântica?


O primeiro a se considerar é que o Caranguejo tem um lado. Caranguejo exalta Júpiter, o Juiz. Júpiter que se exila em Gêmeos, porque Gêmeos não tem um lado, tem no mínimo dois. E a justiça é cega, mas tem lado.

A segunda coisa é que “você só olha da esquerda pra direita, o Estado de esmaga de cima pra baixo” (3) e o Caranguejo olha a batalha de baixo pra cima.


Tivesse o Caranguejo vivido pra contar história a descreveria de baixo pra cima, do lado de Hera e da Hidra. Mas nesse caso, nem Hércules, nem os mercadores transatlânticos e nem os interventores militares no Rio de Janeiro seriam os heróis.


Quando “sentimos muito”, apesar da dor paralisante, nós, que temos lado, ainda precisamos unir forças pra continuar lutando. O fim é só o começo, a morte é só mais um passo da batalha e quando vimos passamos os últimos dias a disputar verdades, defender memórias e a nossa versão da história (4). E isso tudo é lição de Acubens.


Se a defesa da memória dos nossos é fundamental (5) pra nossa resistência, então que sigamos Caranguejos sentidos, pinçados e obstinados. Caranguejo só é Peixe na enchente do Complexo da Maré e no transbordar de todos os outros guetos daqui e do além mar. Seguimos fortes do lado de cá.


(1) A Hidra de Muitas Cabeças: marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. Livro fantástico dos historiadores Peter Linebaugh e Marcus Rediker.

(2) “Aquele abraço” de Gil caranguejo pra Juliana Guide que com seu Marte em Câncer cava memórias lindas e longínquas e depois me conta.


Imagem: Attributed to Eagle Painter (Greek (Caeretan), active 530 – 500 B.C.). Caeretan Hydria (Water Jar) with Herakles and Iolaos Attacking the Hydra, about 525 B.C., Terracotta. The J. Paul Getty Museum, Los Angeles




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