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Foto do escritorJoao Acuio

O signo da Virgem e Robert Crumb




Nervoso.


Sim, Virgem é um signo nervoso, segundo a nomenclatura antiga.


Mas o que isso quer dizer?


Isso quer dizer isso mesmo: nervoso. Um ser ansioso, vamos dizer assim.


Virgem também é prestativo, útil, concentrado. Seus filhos são atentos ao outro, ao trabalho que ocupam, ao detalhe. E preferem trabalhar sozinhos.


O desenhista, por exemplo, com suas apuradas técnicas e instrumentos, é um exemplo deste princípio. O garçom, outro exemplo.


Servir é uma arte discreta. E não há nada pior que um garçom egocêntrico.


Ser discreto é uma qualidade de Virgem. Para alguns, um inferno:


“Ô Geraldo, vem dançar aqui com a gente, vem Geraldo?!”


“Não vou, não quero, fica todo mundo olhando, todo mundo reparando.” (Grupo Rumo - https://youtu.be/MkObxs8yruA )


Lembro de Robert Crumb, no seu documentário, lembrando que quando encontrou Janis Joplin, ela pedia a ele:


“Ô Robert, que tal uma calça boca de sino, deixar o cabelo crescer… tu tá muito caretão!"


Crumb, com sua roupa cinza, careta, um genuíno uniforme, não entendia qual era o problema nela. Sempre a usou. Outro que usa uniforme, sempre a mesma roupa, é o Arnaldo Antunes, um virginiano.


Por que precisava deixar o cabelo crescer? Para ser loucão?


Bem, Crumb deve ter pensado: “Woodstock não conhece a minha família!!!”


Tem algo em Virgem a pulsão de viver sozinho, puro, isolado do entorno.


Crumb não mudou suas roupas, mas tomou uns ácidos na ocasião. Coisa que mudou muito o seu trabalho. Mas continuou sendo um artista detalhista, talentoso, incansável, solitário, o mesmo homem que mudou a história dos quadrinhos e tinha, teve, e tem, horror ao culto da celebridade.


“Ô Geraldo… ”


Desenhar é mais um trabalho como qualquer outro, deve ter pensado, virginianamente, na ocasião.


Seguramente menos fundamental do que o trabalho do lixeiro, deve ter acrescentado na sua consideração.


Angeli, outro virginiano, não seria ninguém sem ter sugado como um vampiro a veia de Crumb.


Angeli tem uma série chamada, se não me engano, de tipos urbanos. Crumb desenhava estes tipos. Sua inspiração era a própria rua. Assim como a do Angeli.


Detalhes da jaqueta de um rocker, o brinco de um hippie, a tatuagem de uma junkie. Observando. Apropriando do que lhe gritava a atenção. Assim eles compõem seus personagens. Apreendendo a realidade, louca e multifacetada por si só.


Em ambos, lá está Virgem: na ocupação do detalhe que, ao passar do tempo, torna-se uma coleção de traços obsessivos;

Virgo no humor ácido, cirúrgico, tiro certeiro (o que são os cartuns políticos do Angeli?);

na retratação da vida como ela é, mundana, essencialmente mundana, sem mistérios ou misticismos;

a crítica, sempre a crítica, ou para usar uma linguagem alquímica, o depuro, o depuro sempre.


Em Crumb, uma obsessão a mais: mulheres gigantes ao lado de homens pequeninos.

Isso ocorre como uma praga nos homens virginianos. No imaginário dos seus filhos, uma mãe, gigantesca, onipresente, terrível.


Em outras palavras: uma mãe que não deixou seu filho errar e se sujar.


Desenhar a mulher, em suas mais diferentes formas, foi a maneira que Crumb achou para dominá-la, vencê-la, expurgá-la, exorcizá-la, amá-la..."


João Acuio


(Este texto foi publicado em 2001, no então blog Num Dia de Júpiter, Na Hora de Marte).

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